quinta-feira, 30 de julho de 2009

O seminário

Por causa de uma matéria, circulei pelo Seminário Santo Antônio, em Agudos. É um lugar belo e misterioso.

"Trabalho aqui há mais de um ano e ainda me perco", disse o funcionário que me acompanhou.

Ele abria portas e não sabia direito onde elas iam dar. Tive a impressão que algumas estão fechadas há muito tempo. Minha vontade foi de abrir todas, para ver o que tinha do outro lado.

Fundado por frades franciscanos em 1950, o seminário ainda hoje funciona como escola religiosa e internato. Abriga cinco freis idosos, que ali passam a fase final da vida. Com várias alas de dormitórios, salas de reuniões, refeitório, salão nobre, bosque, piscina e igreja, também é sede de encontros agendados previamente.

No meu caso, o que fascina é a arquitetura grandiosa e o passado do lugar. Construído na sede da antiga fazenda Santo Antônio, o seminário já foi lotado de jovens estudantes, futuros reliosos. Chegou a ter 400 seminaristas. Hoje não chegam a 40, quase todos da região sul do país, origem da Província, ordem religiosa dos frades.

Chegar no seminário é perceber que ali a vida é diferente por causa de um detalhe: o silêncio, impressionante. Tem também a beleza da natureza que o rodeia. E a imaginação, estimulada pelo cenário: como será viver ali, longe do mundo "real"?

Uma das entrevistas para minha matéria foi feita na igreja, onde está o famoso órgão de tubos construído pelo frei alemão Friedrich Schürle. No meio da conversa, entrou uma mulher, já idosa, figurino de religiosa, com vassoura e balde na mão, para esfregar o chão já limpíssimo do templo.

Parecia uma personagem de algum conto de fadas.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

O que vão pensar?

Gosto muito de arquitetura histórica. Em São Paulo, sou capaz de andar horas pela região central só admirando os prédios construídos em outras épocas. São bem mais bonitos que os modernos, não tenho dúvida. Em locais como o Pelourinho, de Salvador, e os centros de Paraty e Ouro Preto cada porta, cada telha antiga merece meus olhares demorados.

Tenho também uma estranha atração por ruínas. Até hoje tenho dúvidas se preferia o Pelourinho antigo, sem restauração e ocupado por populares, ao bairro turístico em que se transformou. Claro, ruínas um dia desmoronam e prédios históricos precisam ser restaurados. Mas não nego que gosto de ver um casarão contar sua trajetória por meio das paredes em transformação, sem inteferências do homem.

Foi esse tipo de interesse que me motivou a escrever uma série de matérias sobre estações ferroviárias de São Paulo (série agora premiada pela rede BOM DIA de jornais). Mas não foi a arquitetura das estações (todas belas, em ruínas ou restauradas) o que achei mais incrível e sim a trajetória de pessoas envolvidas com o patrimônio público (e abandonado) ao ponto de assumir a função de guardá-los. Acho que foi isso também que inspirou os jurados do prêmio a escolher a série.

Comecei por Pirajuí, cidade onde nasci e em que, na infância, via a estação ferroviária envolvida num certo mistério, um lugar distante e onde de vez em quando passavam os trens tão esperados pelas crianças.

Lá levei o primeiro "choque" de humanidade. Ouvi de um velho ferroviário aposentado, morador da colônia em frente à estação, que ele tinha vergonha do mato que crescia nos trilhos localizados ao lado. No passado, era o agora aposentado que trabalhava na limpeza. A ferrovia foi entregue ao setor privado e ninguém mais se preocupou com isso. O mato cresceu à vontade ao longo dos antes impecáveis trilhos.

Pois o velho aposentado não se conformou e, por conta própria, decidiu retomar o serviço do passado, mesmo sem ganhar nada. A explicação: "E se alguém passa e vê a sujeira, bem em frente a minha casa? O que vão pensar de mim?"

terça-feira, 21 de julho de 2009

A agenda

Os vereadores de Bauru precisam torcer para que pouca gente assista, pela TV, a transmissão das sessões legislativas. Eu assisti ontem e a sensação é de que vi algo ridículo. Não encontro outra palavra para definir a longa discussão sobre datas propostas pela prefeitura para comemorar o meio ambiente.

A agenda ecológica provocou o primeiro "grande" embate entre situação e oposição na atual administração, com vitória para os apoiadores do prefeito Rodrigo Agostinho (PMDB).

Sinal de que a situação no Legislativo é realmente muito crítica - o assunto mais impactante da atual legislatura foi, até agora, a proposta de datas comemorativas para a cidade...

Ouvi parlamentares declarando que não basta criar uma agenda para resolver os problemas do meio ambiente. Óbvio que não! Alguém acredita que o prefeito, ambientalista desde criancinha, criou a tal agenda para resolver alguma coisa?

É esperado que parlamentares cobrem ações e queiram mais detalhes sobre os projetos ambientais do governo, que não são restritos à agenda e passam pelo tratamento do esgoto, a arborização, a ampliação do zoológico, etc. Eles tem todo o direito de protestar caso não consigam essas informações, o que não parece ser o caso. A própria Câmara debateu recentemente alternativas para tratar o esgoto.

Também podem criticar e votar contra à agora famosa agenda ambiental - realmente estabelecer datas comemorativas não significa muito para a cidade. O projeto pode ser chamado de penduricalho, como tantos votados pela Câmara.

Mas não foi simplesmente isso que aconteceu ontem à tarde. Vereadores trataram o caso como uma medição de forças com o Executivo. E gastaram o tempo, que deveria ser precioso no Legislativo, para debater um assunto que sequer preocupa a população.

Alguns parlamentares são altos, falam grosso e tem conteúdo intectual para mostrar aos eleitores. Sinto muito, mas deu vontade de rir (para não chorar) assistir esses atributos sendo usados com veemência para discutir o dia da árvore...

Pior ainda o que ficou nas entrelinhas. Num discurso, vereador da oposição desafiou: essa votação vai mostrar quem é quem. Um ouvinte mais ingênuo poderia achar que tratava-se de mostrar quem defende a natureza e que não está nem aí. Nada disso. Ele queria dizer que a votação mostraria quem vota com o prefeito - e tem cargos na administração ou espera (muiiito) ter. A velha conhecida troca de favores.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Augusta

Quase todo mundo lembra de Ângela Rô Rô inchada, desbocada, sempre meio bêbada. Ela não é mais assim, já há alguns anos. A cantora percebeu que não sobreviveria muito tempo à avalanche de drogras e álcool.

Vi Ângela Rô Rô no último final de semana. Não num show, mas num hotel, em que eu também estava hospedada, em plena rua Augusta, região central de São Paulo. Ela hoje é uma mulher enxuta, fala baixo, quando a vi dava uma entrevista a equipe da TV Globo, no saguão do tal hotel.

Escolhi a rua Augusta por causa do preço das diárias e da localização. Achava que o hotel ficava perto da região da avenida Paulista, centro de cultura e lazer que adoro frequentar em São Paulo. Não era longe, nem tão perto. Fiquei mais próxima do Centro, da Praça Roosevelt, no mesmo hotel que a cantora das antigas baixarias... e adorei.

Uma amiga resumiu: o que encanta naquele trecho da Augusta é a mistura do velho com o novo, os inferninhos e as boates moderninhas, travestis que fazem ponto e gays chiques do Frei Caneca...

Foi nesta Augusta que fez sucesso o Spazio Pirandello, um bar-restaurante que reunia todas as noites escritores, poetas, artistas de teatro, músicos e outras tribos boêmias.

Ignácio de Loyola Brandão é autor de um texto delicioso sobre o espaço, que infelizmente não conheci. Num dos trechos, fala de brigas famosas de duas cantoras, na época namoradas. Uma delas era Ângela Rô Rô.

Descendo mais um pouco, o que encontramos é uma São Paulo em pleno processo de revitalização. Acho apaixonante o que acontece na Praça Roosevelt, há pouco anos local impossível de frequentar por causa dos perigos diurnos e noturnos. Hoje sete grupos de teatro tem suas sedes ali. Nas calçadas, bares também ligados aos artistas deixam o trecho movimentado e bem mais seguro. Tem também outros espaços culturais, dá vontade de ficar muito tempo por lá.

A minha amiga mora ali, em plena praça, num apartamento antigo, em cima dos teatros. Acho um privilégio respeirar esse ar.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

É isso

É isso que eu queria ter escrito:

O circo foi genuinamento emocionante
Bia Abramo
Colunista da Folha


"Havia Michaels para todos os discursos na cerimônia de despedida. Era só chamar seu nome e ele estava lá. Gênio e maior showman da Terra, segundo o chefão da Motown, Berry Gordy. Ídolo de músicos como Stevie Wonder e Smokey Robinson. MJ como símbolo do empoderamento negro, homenageado pelos herdeiros políticos de Martin Luther King. O pequeno príncipe, amigo da princesinha Brooke Shields. O melhor pai do mundo, segundo a filha.

Que haveria circo, como disse a musa inspiradora e amiga Elizabeth Taylor, não podia haver muita dúvida. O espetáculo era parte integrante da vida de MJ e não haveria de estar ausente justo no epílogo. A atenção global também era mais do que esperada -ele, afinal, era o mundo, a criança, aquele que fazia o dia mais luminoso.

Como se fosse ‘o’ show para ficar no lugar dos 50 que ele não pôde cumprir, a cerimônia foi cuidadosamente pensada e coreografada. A família devidamente uniformizada com óculos escuros. Os irmãos com as famosas luvas. As crianças dele sem panos a ocultá-las. Tudo isso parecia estar no script.

Mas era bem mais difícil prever que fosse genuinamente emocionante. Que ver os irmãos enlutados, os Jacksons restantes, fosse tocante. Que rever o inacreditável chapéu rosa que ele usava 40 anos atrás no programa de Ed Sullivan fizesse relembrar a vontade de namorar Michael Jackson que eu tinha aos 11 anos, quando ouvia ‘Music and Me’. Que soasse justa a homenagem a MJ como um símbolo da grandeza da música pop negra nos Estados Unidos, cujo papel é fundamental para que a América tenha hoje Obama.

Aquilo que pegou muita gente, eu inclusive, de calças curtas foi a tristeza de verdade causada por sua morte, para além de qualquer cinismo midiático. Na cerimônia de ontem, por algum daqueles fenômenos pop inexplicáveis, o artifício que cercou sua vida pôde ser ao menos parcialmente abandonado. E, desta forma, havia ali também um Michael para cada tristeza. Inclusive a minha. E a sua."



terça-feira, 7 de julho de 2009

O fim

Apesar do show, do grande e quase inacreditável espetáculo, a despedida dos irmãos e da filha parecia a de uma família comum: lembranças de casos da infância, desagravo, declarações de amor, recomendação de abraço a quem já partiu, lágrimas... E foi Paris, a filha de 11 anos, a grande estrela. Fez uma despedida sem ensaios e muito emocionada, com sua voz de criança e seu olhar tristonho.

O show

Que me desculpem os cansados do assunto, mas é impossível não se emocionar com essa despedida a Michal Jackson. Emoções de vários tipos: espanto, tristeza, surpresa, uma sensação de nunca ter visto isso antes. Nunca vi mesmo. Um velório que é um show.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Ben

Às vezes sinto uma necessidade grande de escrever sobre determinado assunto. E escrevo, a mão mesmo, em caderninhos. Nem sempre publico. Muitas vezes jogo fora. Aconteceu ontem. O assunto era Michael, mas ninguém mais aguenta divagar sobre o destino triste do ídolo pop. Aí decidi jogar fora.

O que escrevi - e aqui vou apenas resumir - é que a trilha sonora da morte é, para mim, bastante melancólica. "Ben" é a música que mais ouvi nesses dias na TV, nas rádios, na rua, vindo de algum carro. Quando a gravou, ele ainda era um menino. Falava da amizade, parece que por um ratinho, o Ben.

Aquela voz de menino, tão promissora, já escondia o lado B do astro. Já começava a revelar sua trajetória de criança doente - para sempre. Nada é mais comovente que uma criança doente.

Fantástico

Um amigo jornalista comenta: Bauru viveu anos na lama devido aos casos de corrupção na Prefeitura e Câmara. Muita gente respondeu processo, aconteceram cassações e até prisões. Carreiras políticas terminaram nesse período, felizmente. Há alguns anos o cenário mudou. Desde a posse do ex-prefeito Tuga Angerami e agora, com Rodrigo Agostinho, o debate é em torno de obras e realizações administrativas e não de quem e como roubou. E tinha que vir parar logo aqui um delegado acusado de práticas nojentas, para dizer o mínimo? Tudo bem, ele já foi embora. Mas e os restos que deixou? Como acreditar na polícia se o chefe tem esse tipo de comportamento? E a exposição nacional, mais uma vez, de Bauru, agora sede de corrupção entre os homens pagos para garantir o funcionamento da lei?

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Emocionante, também no "Fantástico" de ontem, o depoimento do ator Felipe Camargo. Ele conseguiu controlar o alcoolismo e parar de usar drogas ao entender que estava construindo uma história de vida equivocada. Queria mais do que aquele destino de homem sem rumo. Disse, entre lágrimas, que o filho ajudou no processo de recuperação.

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No mesmo programa, muito engraçada a cena de Regina Casé dialogando com ela mesma em dois papéis: o dela mesma, como apresentadora, e de uma fã que volta da hidroginástica e atrapalha a gravação com suas frases padrão.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Durval

Após ler as críticas a "Durval Discos", o primeiro longa de Anna Muylaert, o que ficou registrado na minha memória foi a história de um vendedor de vinil que se recusa a aderir à era do CD, hoje em plena decadência. Achei que só era isso: um filme poético e até saudosista sobre as transformações rápidas - e até assustadoras -da indústrial cultural.

Só agora assisti a cópia em DVD e levei um susto. A loja fictícia, com cara de antiga, em plena Teodoro Sampaio, Pinheiros, São Paulo, foi inspirada no mundo real. Edgar é um vendedor de vinil que resistiu - ou resiste, não sei - às mudança que batem em sua porta, todos os dias. Inspirou Durval, com cara de hippie, roupas surradas e roqueiras, popular na região em que mora. Tem uma mãe também daquelas de antigamente, que cozinham todos os dias para o filho, já crescido, mas ainda tratado como um molequão.

Só que o filme tem uma virada que eu não esperava. O que, preciso reconhecer, faz toda a diferença. Como uma hora e meia de projeção iria se sustentar apenas com a história da loja à beira da falência? O que o longa mostra, além da solidão de quem resiste às mudanças drásticas, é a solidão de quem precisa encontrar motivações para a fase final da trajetória, no caso a mãe do amante dos vinis. Ela encontra uma criança, deixada na casa em que vive por motivos depois esclarecidos, e que vira a razão de sua vida.

Há humor, tensão e bizarrice em "Durval". Há loucura também. É ficção, mas dá para reconhecer pitadas do mundo real. Solidões que a gente vê por aí.