Quase toda vez que deixo escapar minhas lamúrias sobre futebol, tem um amigo por perto para lembrar: até o Chico Buarque gosta. Imediatamente reconheço a falta de argumentos. Se Chico Buarque gosta, deve ser bom. Deve ser muito bom.
Na Copa da França, em 1998, pela primeira vez abri os cadernos de esporte dos jornais. Havia apelos para isso. O cenário, a imensa expectativa brasileira e a vontade de entender o mundo masculino.
Inocente ainda. Entre homens e mulheres há atração, não compreensão. Hoje eu sei, ou penso que sei.
Abri os jornais e num deles encontrei uma crônica inesquecível. Era Chico, falando sobre o Politheama, o time de futebol de botão que criou na infância.
Sou fã, isso talvez dê direito a um desconto, mas o texto era simplesmente genial.
Queria que os jornais impressos tivessem link, como na internet, para eu não ser chamada de exagerada. Queria que todo mundo lesse o que me encantou para sempre.
Na crônica, Chico conta que na época os botões “eram venerados como ícones, beijados, polidos com flanela, concentrados em caixas de charuto e inegociáveis”.
Pois um dia Chico encontrou um de seus melhores botões, o Formiga, ex-jogador do Santos. Em carne e osso. Conversou rapidamente e ficou mudo. Longamente mudo. Mudo de emoção.
Eu queria ter jogado futebol de botão para sentir algo parecido. Para ver poesia nos dribles reais e derramar lembranças lúdicas. Encontrar um craque de verdade e ficar em silêncio, calada pelo impacto de saber que o herói dos campos é de verdade, anda como todo mundo, fala como todo mundo, é capaz de cometer falhas como todo mundo.
Não gosto de saber das atitudes prosaicas de Chico justamente por isso. Ídolo é melhor na imaginação do que saindo do mar acompanhado de uma morena.
Aquela crônica mostrou que futebol não é só berro na vitória e palavrão na derrota.
Virei uma pescadora de pérolas futebolísticas, pelo menos de quatro em quatro anos, nas Copas do Mundo.
Todo dia procuro alguém que, lá da África do Sul, consiga voltar à meninice e resgatar memórias preciosas.
Nada de Dunga e suas ofensas. Nada de seleção que ignora os fãs e a arte.
Uma vez por semana, entrevisto um esportista da cidade. A maior parte é boleiro. Gosto dos velhos. Os que sentam, felizes por serem ouvidos, e puxam o fio de seus antigos enredos.
Há ternura nesses encontros. E, algumas vezes, emoção. Alguns choram porque é toda uma vida lembrada, com os altos e baixos, o que deu certo e o que virou fracasso.
Outros disfarçam uma mágoa, acreditam que estão esquecidos, viraram fotos amareladas e guardadas na gaveta.
Penso que estão enganados. A beleza que criaram nos campos não sai da cabeça dos meninos torcedores.
Tem os transformados em botões, “polidos com flanela, guardados em caixas de charutos”. Tem os que deixam mudos os homens crescidos.
Desconcertados ao poder tocar no que antes era pura fantasia.
segunda-feira, 28 de junho de 2010
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